Por Betina Neves para a revista Gama
Fazer amigos mais velhos ou mais novos torna a vida mais rica, desenvolve a empatia e ajuda a mitigar preconceitos
O designer brasiliense Luís Filipe de Andrade, 23, dedica pelo menos um dia da semana para papear com Vergínio Sbragia, 89, de São Paulo (SP). Luís Filipe curte contar a ele as novidades do mundo da tecnologia (“ele ficou muito impressionado em saber que a Amazon vai começar a fazer entregas com drones”). Já Vergínio gosta de falar de cinema, passar receitas de drinques e dar conselhos de relacionamento. Os dois compartilham o gosto por marcenaria.
Vergínio é uma das três pessoas atendidas por Luís Filipe através do Escutatória, que congrega voluntários para conversar com idosos e ajudar a diminuir a solidão que assola muitos deles. O projeto surgiu no fim de 2019 e veio ainda mais a calhar com o isolamento imposto pela pandemia. “Comecei por causa de uma pesquisa para um trabalho da faculdade e acabei criando uma amizade verdadeira com eles. Foi interessante perceber como a conversa é fluida, com muitas convergências”, conta. “Eles me ensinam muito sobre a importância de cuidar da saúde e de manter laços fortes com família e amigos. Também aprendo a ser mais autêntico e a ter menos pressa na vida.”
Em uma pesquisa da AARP (American Association of Retired Persons) – a associação dos aposentados dos EUA – com pessoas de diferentes gerações, 37% dos entrevistados disseram ter um amigo próximo que é pelo menos 15 anos mais novo ou mais velho. Entre eles, 93% concordaram que são amizades com benefícios diferentes dos que se têm com pessoas da mesma idade. Aqueles com amigos mais velhos destacaram que, com eles, se inspiram e têm referências de vida; já os que convivem com pessoas mais novas apontaram que, com elas, se sentem mais valorizados e conseguem ficar a par do que está rolando no mundo. Em ambas as situações, os participantes disseram que a relação intergeracional ajuda a enxergar as questões da vida por outras lentes.
Relações intergeracionais ajudam a enxergar as questões da vida por outras lentes
“Quem se abre para fazer amizade com pessoas de idades diferentes pode ter experiências muito ricas”, diz a psicóloga clínica e terapeuta familiar Miriam Barros, de São Paulo (SP). Para pessoas de 20 e poucos anos, por exemplo, que muitas vezes têm certa ânsia para encontrar seu caminho, se relacionar com adultos mais velhos – que não sejam os pais – pode ajudar a desconstruir idealizações e criar outras perspectivas de vida.
Outro exemplo que ela dá são mães com filhos pequenos, que podem ter boas trocas com mulheres mais velhas que já passaram por essa fase. Ela explica também que pessoas da mesma idade podem tender a se comparar, o que acontece menos com amigos de outras gerações.
Para a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de livros como o recém-lançado “A Invenção de uma Nova Velhice” (Record, 2021), nossa sociedade ainda é muito segregada por idade. “Em outros países já se fala na tendência ‘ageless’, segundo a qual as pessoas não vão mais se agrupar pela idade, mas por seus valores, interesses, lutas e desejos”, diz.
Em mais de 30 anos pesquisando felicidade e envelhecimento, Goldenberg transformou as próprias relações: “Hoje tenho 64 anos e meus melhores amigos são nonagenários – é com eles que eu tenho as trocas mais generosas e amorosas. Se não fossem eles, a quarentena teria sido muito triste”.
Com as crianças aprendo a me relacionar de outra forma com a vida e com o tempo, com mais encantamento, leveza e bom humor
A antropóloga afirma que a “velhofobia” que existe no Brasil piorou na pandemia. “O desprezo e o estigma em relação aos mais velhos ficou muito evidente nesse período: aquele discurso de ‘velho pode morrer mesmo, vai ser até bom para a previdência’.” Para transformar a situação, ela diz que precisamos quebrar o preconceito dentro de nós e das nossas casas e, acima de tudo, ouvir os mais velhos.
Para a psicológica Miriam Barros, amizades intergeracionais ajudam a desenvolver a empatia: “é uma oportunidade de sair da zona de conforto e se colocar no lugar do outro.” Ela explica que abertura e flexibilidade são essenciais para desenvolver essas relações, inclusive na hora de estar atento aos espaços onde elas podem acontecer.
Na pesquisa supracitada da AARP, o modo mais comum de conhecer pessoas de outras idades é no trabalho – em segundo lugar, na vizinhança e, em terceiro, em uma igreja ou outro tipo de encontro religioso. Mas isso também pode se dar em cursos, projetos sociais, através de amigos de amigos e até dentro da própria família.
A saber: assim como o Escutatória, a pandemia fez surgir outras plataformas que fazem contato com idosos, como o Doa Tempo e o Mais Vívida.
E os mais novos?
A farmacêutica bioquímica Luizete Adrien, 75, de Ji-Paraná (RO), conta que prefere conviver com pessoas mais novas, dos amigos das netas aos funcionários de sua empresa e as companhias que tem em grupos de viagem. Ela faz amizade inclusive com as filhas das poucas amigas idosas. “Eu gosto do dinamismo, da liberdade e das múltiplas possibilidades da juventude. Até porque eu cresci em uma realidade machista e opressora que não permitia isso.” Na pesquisa da AARP, um dos benefícios indicados por quem tem amigos mais novos é sentir com eles uma “injeção de energia”.
Essa ideia também pode se estender a crianças e adolescentes. “É possível criar laços muito puros de amizades com eles”, diz a professora paulistana Carina Fraga, especializada em pedagogia Waldorf. “Aprendo diariamente com as crianças a me relacionar de outra forma com a vida e com o tempo, com mais encantamento, leveza e bom humor.” Esse tipo de relação requer interesse e dedicação por parte do adulto, que precisa estar disposto a entrar no mundo da criança. “Demanda certa energia, mas, quando a gente se propõe a estar presente com eles, pode acessar lugares incríveis.”
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